O presidente da Associação Portuguesa de Geólogos diz que proposta do Governo para a actividade mineira espelha desconhecimento que existe na sociedade sobre este sector.
Numa altura em que assume o mandato à frente da APG, tendo como objectivo assumido criar uma ordem profissional que possa dar maior notoriedade à actividade e credibilidade ao sector, o presidente da Associação Portuguesa de Geólogos (APG), Luís Lopes, confronta-se com as propostas de regulamentação para as actividades de revelação e exploração de recursos minerais. O também docente da Universidade de Évora considera que existe um desconhecimento muito grande da actividade, o que leva a uma falta de reconhecimento das competências dos seus profissionais.
O Governo prepara-se para regulamentar uma área de actividade de revelação e exploração de recursos geológicos. Que considerações fez a APG à proposta que esteve em discussão pública
Esta proposta de regulamentação reflecte um pouco a visão que a sociedade tem da geologia e dos geólogos. Há uma grande confusão entre o que é a pesquisa, o conhecimento do território, que é também o que se está aqui a legislar, e depois o aproveitamento posterior que se faz desses recursos. Acredito que a confusão vem do termos em inglês, exploration, que é mal traduzido para exploração. Porque o que estamos a falar é de prospecção, pesquisa, de explorador no sentido de pesquisador, daquele que vai conhecer o que existe. Só podemos ter alguma percepção fundamentada se conhecermos aquilo que temos. Esta proposta de lei vem trazer limitações muito relevantes à nossa actividade, dando poderes vinculativos aos municípios, ou proibindo simplesmente actividades de prospecção. Isto não tem paralelo em lado nenhum. É uma desconsideração pela nossa actividade.
É uma desconsideração por tornar as actividades de prospecção mais limitadas?
Nós não temos poder, nem oportunidade, de nos pronunciar sobre a nossa actividade. Isso é que é uma desconsideração face ao que fazemos. Esta proposta de lei aparece de uma forma que demonstra desconhecimento de como é que o sector funciona, nas actividades de prospecção e pesquisa, mas não só. Também na questão de ordenamento de território, na mitigação de riscos relacionados com o colapso de vertentes e taludes. Entre a geologia, geologia de engenharia e engenharia civil há todo um leque de linguagem que é comum, mas onde cada um tem o seu papel. Não se sobrepõem, pelo contrário, são complementares.
E em que é esta proposta de legislação traz obstáculos?
Quando proíbe prospecção numa faixa de mil metros [de um aglomerado urbano ou rural]. Está a impedir a retirada de informação e estamos a falar de uma intervenção sobre o terreno que não é invasiva, não precisamos sequer de afectar o local de amostragem. O que nos choca nesta proposta é que mesmo os países que são ambientalmente responsáveis não têm áreas tão limitadoras.
Também não se propõem faixas de protecção tão amplas no caso das pedreiras. É possível ter uma pedreira a 20 metros de um prédio urbano ou rústico, de acordo com a proposta de regulamentação das pedreiras.
Nós ainda estamos a analisar essa proposta de regulamentação. Mas essa disparidade de valores já ajuda a perceber o que estamos a dizer. No caso dos depósitos minerais, não se pode colher uma amostra para análise a menos de 1000 metros de um aglomerado urbano ou rural. Nas pedreiras permite-se a exploração a um limite mínimo de 20 metros. Dá a ideia que foram pessoas diferentes a redigir o texto e que não dialogaram entre si.
Que áreas limite propõe a APG?
Dou-lhe dois exemplos internacionais. Na legislação sueca, a execução de trabalhos de Prospecção e Pesquisa (PeP) está condicionada à emissão de autorização da entidade reguladora das actividades mineiras numa distância inferior a 200 metros de habitações. Na legislação em vigor na Austrália, é proibido a execução de qualquer actividade de prospecção a 100 metros de zonas habitacionais. Nós propomos uma faixa de protecção de 250 metros aos aglomerados urbanos e rurais. Para viabilizar, por exemplo, o concurso público internacional para Jales. Caso contrário, ele fica inviabilizado.
Como assim?
Assim como está proposta a redacção desta regulamentação, o lançamento do concurso internacional do projecto de Jales fica inviabilizado. Porque há várias estruturas mineralizadas que estão a 250 metros do aglomerado rural. E as áreas definidas para o concurso do lítio ficarão comprometidas. Como está redigida, esta proposta de lei inviabiliza o concurso para lítio.
Também fizeram essa análise para o concurso do lítio?
Sim, fizemos para a área do Barroso. Devia ir a concurso com uma área de 526 km2. Com a aplicação do perímetro de segurança de um quilómetro à volta dos aglomerados, há uma área de 369 km que fica automaticamente interditada. Isto é retirar quase 70% à área de trabalho. Assim não há investidor que avance. Portugal tem bons créditos. Somos conhecidos como um país bom para investir. Porque temos estabilidade política e social. Mas não nos podemos esquecer que nestes projectos de PeP a taxa de sucesso para que se obtenha uma mina é na ordem de 1 para 200.
A PeP não parou em Portugal e não há novas minas há 30 anos. Está Moncorvo na calha?
Isso tem a ver com a volatilidade na cotação dos recursos. O que prejudicou, por exemplo, o ouro do Escoural. O ferro de Moncorvo tem um penalizante forte, que é o fósforo. Só quando o minério for muito valorizado é que é competitivo à escala global. Mas temos uma massa a mais de mil metros de profundidade, sob as areias em Alcácer do Sal, que pode vir a ser outro Neves Corvo.
Há muito trabalho de PeP para fazer ainda na faixa piritosa?
Há muito a fazer. Para já, temos duas minas. Devo dizer que comecei a minha actividade profissional em Neves Corvo. E na altura o tempo de vida da mina era 20 anos. Entretanto já passaram 30 e temos mina para mais 20. O próprio investimento de PeP que a empresa fez tem descoberto novas massas e tem mantido a mina a funcionar. E há perspectivas de futuro para a mina e para toda aquela comunidade.
Mostrou-se contra o poder de pronúncia vinculativa dada aos municípios. Porquê?
Só compreendemos isso como uma orientação política. Os recursos geológicos não param porque há uma separação administrativa. As massas minerais passam de uns municípios para o outro e pode haver decisões diferentes sobre a mesma coisa. O presidente da câmara A é a favor e o da câmara B é contra. Em que ficamos? Isto só vai aumentar o fosso que existe entre litoral e interior.
Como assim?
Estamos a falar de recursos que pertencem ao Estado, que têm um importância estratégica nacional e não apenas regional ou local. Fazer depender de pareceres locais a viabilidade de projectos de natureza nacional vai aumentar o fosso entre o litoral e o interior, pela quebra de solidariedade entre as várias regiões do país. Nos locais onde há mármores, volfrâmio, cobre, sabemos que a economia local está muito dependente desse recurso. Vamos imaginar os mármores do Alentejo, os empregos directos e indirectos em Vila Viçosa podem chegar aos 60% [da população]. Que motivações pode ter um município para não ter interesse em verificar os seus recursos naturais e promover a sua protecção pelo ordenamento do território?
As câmaras vão ter de dar uma opinião fundamentada da sua decisão, de acordo com a proposta de lei.
Com que recursos? Conhecemos os quadros das câmaras, e a maior parte delas não tem geólogos ou um engenheiro de minas a trabalhar. Ou seja, quem se vai pronunciar sobre os recursos minerais na maior parte dos casos vão ser pessoas que não têm formação específica para tal.
A Lei de Bases de 2015 está há cinco anos sem regulamentação. É ou não importante ela aparecer agora?
Nós defendemos a regulamentação! Se ela estiver bem desenhada e defendida, protege-nos a todos. O problema é que ao ser tão restritiva vai inviabilizar grande parte da actividade.
Na Rede Natura não é restritiva. Diz que deve ser evitada “sempre que possível”.
Nesse aspecto esta lei é redundante, não vem acrescentar nada à regulamentação internacional que já existe e que permite a possibilidade de pesquisa dentro da rede. O que posso dizer é que se avançar este quadro regulamentar as dificuldades vão aumentar, vão afastar investidores internacionais. Mas o pior de tudo é mesmo o não reconhecimento do papel dos recursos minerais na nossa vida. É caricato sermos contra a exploração de recursos minerais na Europa onde com estas leis, boas ou más, podemos regulamentar a exploração e controlar danos sobre o ambiente, e continuarmos a usar tecnologia sem nos preocuparmos de onde vêm os recursos. Seríamos mais conscientes se permitíssemos a exploração onde ela se pode controlar.
In: Público