O “rio de ferro” volta a correr em Moncorvo
As velhas minas, paradas desde 1983, começam a ganhar nova vida e já têm clientes de Inglaterra, França, Espanha, Bélgica e Holanda
Margarida Cardoso | mmcardoso@expresso.impr esa.pt
Vista da estrada, a serra do Reboredo apresenta-se calma e verdejante, igual a tantas outras. Mas o seu manto verde esconde um verdadeiro “rio de ferro”, com vistas de cortar a respiração para o Douro e o Sabor, pronto a voltar a agitar a vida de Torre de Moncorvo quando a exploração do minério começar em força. “Esta é a segunda maior jazida da Europa. Estamos a falar de 500 milhões de toneladas de ferro distribuídas por cinco montes, que são também depósitos de ferro. Só em Mua, onde estamos a começar os trabalhos de extração, temos sete milhões de toneladas para explorar à superfície”, conta ao Expresso Ricardo Santos Silva, da Aethel Mining Limited, entusiasmado com o potencial do negócio montado à volta de uma das matérias-primas que mais valorizou em ano de pandemia e que ele acredita poder ser “tão relevante para a economia mundial como o petróleo”.
Ex-sócio de Miguel Relvas para a compra do Banco Efisa, cofundador da Aethel Partners e da Aethel Mining com Aba Schubert, Ricardo Santos Silva já tem outros investimentos em minas e “andava de olho no ferro” há algum tempo, numa estratégia de diversificação de negócios. O projeto de Torre de Moncorvo, que marca a estreia da sua empresa na exploração direta de uma mina, começou a ser analisado há três anos, mas só se concretizou em 2020, com a compra da MTI — Ferro de Moncorvo, SA, que tem os direitos de concessão da exploração por 60 anos.
Os valores da aquisição não são divulgados. Já o entusiasmo com o potencial da jazida é assumido sem rodeios. “Temos aqui um teor natural de ferro de 50%, quando vemos os chineses explorarem depósitos com teores de 15%”, diz o empresário, sem esquecer que “há muito ferro para explorar a céu aberto neste concelho de Bragança”, enquanto em Norbotten, na maior jazida da Europa, “tudo acontece a 300 metros de profundidade, e os suecos da LKAB têm de enfrentar um obra de engenharia gigantesca para mudarem a cidade de Kiruna de sítio devido à mineração”. “O interesse de um projeto como este depende muito dos custos de exploração e logísticos e da cotação do minério. Temos aqui excelentes condições para sermos competitivos e rentáveis e estamos a entrar no momento certo”, comenta.
Exploração intermitente
A ligação de Moncorvo ao ferro vem de longe, e na apresentação do concelho a autarquia deixa clara a mensagem de que as minas, abandonadas há já 37 anos, poderão ter, “a médio prazo, um papel importante na economia da região”. Na verdade, a meio do século XX as minas de ferro de Torre de Moncorvo chegaram a ser o maior empregador da região, com os seus 1500 mineiros e uma aldeia que nasceu para eles: Carvalhal. Por ali, a primeira experiência de mineração remonta a 1790 e na fase final do século XIX as minas chegaram a ter 35 concessões, tendo passado por várias mãos, incluindo o grupo Thyssen, antes de chegarem à Ferrominas, que liderou o projeto até à sua falência, em 1983.
O renascimento começou a ser preparado há mais de uma década, num projeto dos australianos da Rio Tinto que previa um investimento de mil milhões de euros e mais de 400 postos de trabalho em Moncorvo, mas o investidor desistiu e em 2016 a concessão (4600 hectares) ficou nas mãos da MTI, que a Aethel Mining comprou em fevereiro último, quando já estava concluído um longo percurso (12 anos) de licenciamento para a reativação das minas, a par de estudos de impactos ambientais, sociais e económicos.
Sobre os planos e investimentos, a Aethel revela poucos pormenores. Assegura apenas que será seguido o plano definido pela MTI, e esta empresa admitia aplicar aqui €600 milhões ao longo dos anos, criando mil postos de trabalho dir-tos e indiretos. Para já, estão apenas previstos “mais de €100 milhões de investimento nos primeiros anos e 400 contratações em três anos”, depois das 50 iniciais, que incluem geólogos e engenheiros de minas estrangeiros com experiência no ferro, que estão a chegar ao Bairro de Ferrominas, em fase de reabilitação para os novos mineiros do século XXI.
Um líder europeu
A ideia é colocar Portugal na liderança da mineração europeia de ferro, “com preocupações ambientais. Até 2023 queremos ter uma pegada de carbono neutra e ser autossustentáveis em termos energéticos”, diz o empresário, que deverá avançar, sucessivamente, de Mua para Pedrada, Reboredo-Priscos e Carvalhosa ao longo dos anos. O ferro sai em camiões até um armazém, de onde seguirá depois diretamente para Leixões ou Pocinho, numa viagem que continua por estrada, via férrea ou rio, podendo ter ainda o Porto de Sines como destino final mais à frente no tempo, quando os clientes forem do Oriente e as cargas tiverem grande dimensão. Mas nesta primeira fase “as encomendas de um mercado ávido” chegam do Norte da Europa, Inglaterra, Espanha, França, Bélgica e Holanda, onde a Aethel Mining abrirá um escritório.
Com o calendário de trabalhos atrasado pela pandemia e pelo risco de incêndio no período de verão, o arranque da extração foi sendo adiado ao longo do ano até ao início de
novembro, mas as previsões da empresa apontam para a extração de 1,5 milhões de toneladas no primeiro ano. “Gostaríamos de fazer mais, mas temos restrições logísticas e também dependemos da melhoria das infraestruturas ferroviárias e do canal navegável do Douro para avançar, uma vez que o camião é para nós uma solução complementar, até por ser mais poluente e mais caro”, explica Ricardo Santos Silva, que na serra do Reboredo vai começar por extrair o agregado de alta densidade da marca própria Muadense, usado em soluções de proteção costeira, assim como em hospitais, em paredes de proteção de radiações. Já em Pedrada, a extração será de concentrado de ferro, com alto teor magnético e mais valor acrescentado.
Uma matéria-prima sempre a subir
O preço do minério de ferro disparou mais de 30% desde o início do ano, de acordo com a negociação dos contratos no mercado de referência para esta matéria-prima. E com a escalada dos preços, a extração do ferro volta a entrar no radar dos negócios atrativos, com a mais-valia de ter uso industrial. No mundo, “a China lidera a procura e a produção, em virtude da recuperação mais forte da sua economia relativamente às economias que se debatem, agora, com uma segunda vaga de covid-19″, sublinha Paulo Rosa, economista sénior do Banco Carregosa ao Expresso.
E a provar que o ferro está a cavalgar a onda da covid, o economista refere que a BHP Group Ltd produção de minério de ferro no seu primeiro trimestre fiscal (de 1 de julho a 30 de setembro), ligeiramente acima das expectativas”, sob o impulso da procura da China, “o maior consumidor mundial deste input siderúrgico”, usado para fazer aço para infraestruturas e em projetos de construção. Este é, no entanto, um minério volátil, como mostra a evolução dos preços ao longo da última década, nos 138,2 dólares no final de 2011, mas abaixo dos 40 em 2015. Em 2020, a cotação do ferro abriu nos 86,77 dólares e ronda, agora, os 120. Ao lado da China, os maiores produtores mundiais de minério de ferro são a Austrália e o Brasil, mas a Índia, a Rússia, a Ucrânia e a África do Sul também são operadores importantes. Já na Europa, Moncorvo apresenta-se como a segunda maior jazida de ferro, atrás da exploração de Norbotten, na Suécia.
Três perguntas a Nuno Gonçalves
As minas prometem voltar a dinamizar Moncorvo?
Além da amêndoa e do vinho, a atividade económica do concelho assenta em microempresas, por isso, as minas são importantes, sim. Mas também são importantes pelas características ecológicas do projeto, autossustentável em termos de energia, por exemplo. Podem alavancar a economia e a demografia de um território de baixa densidade, mas de alta resiliência.
Mas do lado do transporte do minério pode haver problemas…
É a questão mais complicada, mas tudo pode ser descomplicado com um aposta forte na intermodalidade, em especial se a bazuca chegar. Na ferrovia é preciso investir na linha do Douro e na frente fluvial precisamos do desassoreamento de troços do rio. Há obras previstas e que são fundamentais. Basta pensar que a produção de seis milhões de toneladas de ferro, prevista em velocidade de cruzeiro, a seis anos, significaria um movimento mensal de 900 camiões, ou 30 composições de comboio ou seis embarcações.
Olhando os ciclos do negócio e a história das próprias minas, vale a pena confiar no seu impulso para a região?
É verdade que a descida da cotação do ferro e as exigências de investimento na exploração já ditaram fins de ciclo por aqui, mas as minas podem voltar a ser um polo de desenvolvimento importante. Hoje, será tudo muito mais tecnológico do que no passado, mas continuam a representar emprego, movimento no concelho, na região. E temos pela frente um ciclo longo. Na primeira fase, a concessão é para 60 anos, mas se o projeto evoluir para a segunda fase temos minério para mais 100 anos.
In: Expresso