Assimagra

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BARON DO DESIGN

Um dos mais estimulantes e criativos designers franceses mora em Lisboa há 20 anos. Vista Alegre, Benetton, Pierre Frey e Dior são algumas das marcas que já agarraram o seu talento.

Nasceu numa pequena vila francesa nas montanhas encostadas à fronteira suíça. Na infância, os livros substituíram a televisão e cedo imaginou estórias na sua cabeça, por isso concorreu, às escondidas, às Belas-Artes de Saint Étienne e depois seguiu para Paris, para a escola do Musée des Arts Décoratifs. Na loja do museu, onde trabalhou, ouviu falar nas porcelanas vindas de Portugal: Pensei: tenho uma boa razão para ir para Portugal “. A namorada era portuguesa, casaram entretanto, e ele fora selecionado para a residência artística francesa Villa Médicis hors les murs, uma bolsa de estudos onde jovens artistas propõem projetos no estrangeiro.

Chegou à Vista Alegre em 2001 “Foi engraçado ver o contraste com a porcelana de Sèvres ou Limoges (os reis fizeram um bom marketing das produções francesas), a Vista Alegre tinha ar de loiça de casamento, muito clássica mas, ao mesmo tempo, tinha qualquer coisa de exótico. Achei muita piada à cultura da Companhia da Índias, vinda das colónias (em França essa cultura foi abafada, por não ser um momento grandioso historicamente), ver folhas de tabaco pintadas num prato em ouro e verde e cor de rosa foi uma viagem.” Também descobriu “um know how e uma capacidade de produção incríveis, como se fazia há séculos, que em França se mantém com mais dificuldade. Aqui tens senhoras que desenham flores de milímetros em pratos de restaurante, como desenhos em peças contemporâneas.”

Sam trouxe uma modernidade arty, o seu humor e twist. Começou por recuperar pratos com defeito que iam para o lixo, e decorou as suas rachas e falhas, celebrando-as, e usando decalques de padrões que já não existem, de coleções antigas. Isto antes das palavras responsabilidade e ecologia serem obrigatórias. Foi o seu primeiro grande projeto internacional e teve “muito boas respostas”: uma galeria em Milão encomendou-lhe uma coleção e o museu Grand Hornu da Bélgica pediu-lhe uma instalação para a entrada da cafetaria. Depois começou a trazer para a Vista Alegre nomes como

Christian Lacroix e Jean-Jacques Sempé.

Recentemente criou Petites Histoires e usou colagens de sketchs de desenhos do seu caderno e imagens muito fortes na cultura Vista Alegre, como as flores e os insetos. “A ideia foi utilizar as peças de porcelana para criar uma narrativa aleatória em cada peça como no seu conjunto: se juntar uma chávena de café a uma jarra, funciona. Não tens de comprar um serviço inteiro, o que é uma ideia moderna.”

A temática da natureza marcou a coleção

A temática da natureza marcou a coleção “Petites Histoires” para a Vista Alegre

Viveu uns anos entre Lisboa e Paris onde já trabalhava para grandes marcas, de window display a interiores. Aos 25 ingressou na Fabrica, o jovem centro criativo da Benetton em Treviso, Veneza, e depressa deu nas vistas, acabou por dirigir a equipa de design durante 10 anos. Os mesmos em que viveu entre as três cidades sempre de mala de viagem na mão. A sua carreira é feita de inúmeras coleções e direções artísticas. Entre muitas, criou a edição comemorativa das loiças Mateus, todas made in Portugal ou os lindos pratos Bel Paese para a Bitossi numa homenagem à cultura italiana.

Estava a fazer um projeto para Milão, com a Assimagra, recursos minerais de Portugal, quando foi ao Alentejo visitar as pedreiras : “São incríveis! Mas é assustador furar a terra, o mundo”. Encontrou dois blocos gigantescos de “um material que nem é mármore, é terra, ar e humidade fossilizados. Disseram-me que era lixo, um lixo lindo de morrer e com uma história ‘do caraças’, do tempo das grandes mudanças tectónicas. Cortei-o de forma bastante geométrica para mostrar as cavernas e espaços vazios com cristais, tons de terra, rosa e cristal transparente. Fiz dois furos para pôr velas e um para pôr flores.” Assim nasceram as peças para a francesa NOMA, Noble Materials, baseada na responsabilidade e traçabilidade.

É cada vez mais requisitado pelas marcas emblema do seu país. “Estive um ano em detox de uma vida super speedada e, de repente, sem procurar, recebo chamadas de empresas francesas. É engraçado e surpreendente, quase um give back, um agradecimento.” É o caso da Maison Drucker, das cadeiras de palha dos cafés e esplanadas parisienses, com a qual trabalhara quando era estudante de Belas-Artes. Ligaram-lhe agora: “Disse logo: ‘Claro que sim!’ É tão icónica e particular, tudo feito à mão e toda a gente reconhece aquelas cadeiras.” Imaginou um confident, duas cadeiras onde as pessoas se sentam de costas uma para a outra, “uma coisa do século XVII que permitia encontros de namorados não oficiais e conversas políticas”, sorri. E está a trabalhar o catálogo da Pierre Frey, com a qual já colaborara também, e a pensar a sua nova coleção de mobiliário. Muito conhecida pelos tecidos e papier peint, “fazem clássicos de qualidade, mas também tecidos completamente malucos, com rendas, coisas surpreendentes. Compraram uma empresa de móveis a uma hora de Paris, mas perceberam que é uma ciência completamente diferente, vou escrever esse futuro.”

Estamos muito atentos aos seus projetos com a maison Dior. “Christian Dior adorava casa e decoração, era maluco por flores e interiores, e isso nota-se nas lojas, ou seja, é a marca francesa de Moda com maior legitimidade para ter peças de casa. Eu nem sabia, dá-me muito gozo pensar: ‘Será que ele iria gostar do que vamos fazer?” Ser fiel ao seu nome, porque a marca é o seu nome. Tive uma mise en contact com o diretor da Dior maison, fizemos um projeto para Milão que foi adiado, mas correu muito bem, e falámos que poderia ser interessante a temática do [poeta William] Blake, essa coisa rural, a mim toca-me obviamente porque venho do campo e o senhor Dior atribuía muita importância às crenças e fábulas rurais, à fertilidade, à sorte, à representação do cereal e seu significado, até na religião. E como a coleção cruise da Maria Grazie

[Chiuri, designer da marca] foi inspirada no artesanato italiano e na viagem do Dior a Itália, pediram-me objetos que falassem dessa viagem.”Trabalhou em Itália com um mestre de vidro e criou castiçais, vasos e uma cloche”muito delicada, muito couture “.”Consegui dar-lhe uma modernidade, um passo à frente”. Seguem-se mais projectos, mas ainda estão no segredo dos anjos.

Disse-nos uma vez que se sentia cada vez mais um designer francês. “Fui dos poucos que se mandou para fora de Paris, as pessoas acharam um bocado sportif e maluco, mas foi interessante para a minha cultura de design francês, porque o facto de chegar de fora e já não ser ‘puramente’ francês, faz-te refletir sobre o que te falta ou o que te afoga quando estás só no teu meio. Permite-te editar os teus valores, como fazer para que os ‘tiques’ sejam mesmo teus, criar o teu estilo. Eliminas o supérfluo e ficas só tu. Não é fácil, mas foi muito formador, uma viagem interior até”.

O que te chama para os projetos? “As pessoas. Mais um, menos um, já não é isso que me interessa, e pode parecer pretensioso, mas não é. A terra está cheia, estamos num período super fora de pandemia, estamos em reflexão. Os projetos devem ter mais reflexão, não é só um décor por um décor, temos de ser mais profundos e íntegros, mais fortes na maneira de fazer. E o que motiva é encontrar alguém que seja curioso e goste de ir mais além do que estava previsto. Depois, seja uma marca de nicho ou uma super-famosa, uma marca internacional ou um artesão, todos são interessantes. No fundo, acontece-me esta coisa de ser um homem de maisons, alguém em quem confiam para dar uma leitura sobre eles, através de coleções e objetos. Não é ser passadista ou voltar ao seguro, é projectar valores que estavam esquecidos. Estávamos a viver num mundo muito rápido, não havia interesse em ter coisas que durassem, interessava o consumo rápido e ser economicamente lucrativo. Este é o momento em que dizes: ‘Espera, deixa lá fazer coisas com um peso, um contexto, um sentido.”