O setor da pedra natural ganhou rostos femininos, novas abordagens e força competitiva. As exportações crescem e a indústria senta-se à mesa de arquitetos e designers do mundo.
Sónia Santos Pereira
Quatro mulheres imprimem há quase duas décadas as suas marcas na pedra natural portuguesa. Trouxeram novas ideias e projetos, apostaram na inovação e na digitalização de processos e marcaram um novo ritmo, com tendências de moda e traço de design, num setor dito tradicional e masculino. Margarida Sousa e Regina Vitório são as caras da gestão de empresas que conquistaram o seu espaço dentro e fora de portas. Célia Marques e Marta Peres dirigem organizações associativas do setor das rochas ornamentais e são responsáveis pela implementação de uma nova visão na indústria, com foco na inovação, no ambiente, na competitividade, na construção de marcas para ganhar força nos mercados externos.
Estas vozes femininas, que se juntam a muitas outras, anónimas, estão focadas no desenvolvimento do negócio da pedra natural, um negócio que responde por um volume de negócios da ordem dos mil milhões de euros anuais, com mais de 400 milhões a serem gerados nos mercados externos. Portugal é o 8.° maior exportador do mundo de um recurso que se pode encontrar em quase todo o território nacional e que assegura cerca de 13 mil empregos agregados a 2100 empresas.
As marcas da pedra para salvaguarda da origem
O setor era tradicional e, pode afirmar-se, sem temor, dominado por homens. Essa realidade foi-se esbatendo e hoje “numa reunião setorial já conseguimos ter na sala um número muito equilibrado de homens e mulheres”, diz Marta Peres, diretora executiva da Associação Cluster Portugal Mineral Resources. Não foi uma batalha de género, mas um trabalho que reuniu todos em prol do desenvolvimento de uma indústria extrativa que reúne a qualidade e a beleza dos mármores do Alentejo, os muito apreciados calcários da Estremadura, a ardósia (ou xisto) e o granito, que se encontram em várias regiões do país. Como sublinha Margarida Sousa, CEO da Dimpomar, “não é o género, mas sim a confiança, a competência, o conhecimento e a experiência que fazem que uma equipa acredite e avance na mesma direção”.
A importância das exportações numa economia pequena como a portuguesa estende-se naturalmente ao setor das rochas ornamentais. Com um cariz exportador na sua génese, esta atividade entendeu a relevância da comunicação num mundo globalizado e concorrencial para marcar a sua posição. Célia Marques, vice-presidente executiva da Assi-magra – Recursos Minerais de Portugal, é o rosto do projeto StonePT, a marca que nasceu para preencher um vazio relativo às garantias de origem e de qualidade das pedras portuguesas e às suas potencialidades em diferentes aplicações.
Indústria e artes unidas no Primeira Pedra
Como realça a dirigente, a pedra natural pode apresentar um comportamento diferenciado dependendo do local onde é aplicada, e também pode competir com os materiais que imitam as suas tonalidades e texturas, mas para isso “é fundamental apostar em novas formas de comunicar tecnicamente com o prescritor e o consumidor final sobre o comportamento da pedra e a sua manutenção, para gerar confiança na escolha deste material e valorizar o original”.
A marca StonePT é uma das respostas a esses problemas com que se debate a indústria e uma bandeira de excelência internacional que já é hasteada por várias empresas de referência, adianta. Esse esforço tem sido compensado. Segundo Célia Marques, “o setor tem reforçado a sua posição relativa nos mercados internacionais, com as exportações a crescerem consecutivamente nos últimos seis anos, a um ritmo médio de 6%, destacando-se 2019 com um crescimento superior a 12%, correspondendo a valores na ordem dos 430 milhões”.
A diversificação de mercados tem sido também uma batalha ganha, chegando a pedra portuguesa cada vez mais longe, num total de 130 mercados. Segundo as estatísticas, 45% das vendas ao exterior são para fora da Europa. É um trabalho em contínuo e que exige novas apostas. Por isso, foi lançado mais um programa de comunicação, o Primeira Pedra, que reuniu a indústria e vários protagonistas de notoriedade no campo das artes, da arquitetura e do design, desafiando–os a criar peças de alto valor acrescentado.
Dentro deste projeto, a Dimpomar orgulha-se de ter fornecido o mármore rosa que hoje cobre o pavimento de uma das ruas centrais de Londres, Mint Street, uma obra assinada pelo designer Michael Anastassiades para a Landmark Pro-jets – London Design Festival 2018. A empresa tem no portefólio várias obras distintas para clientes de relevância mundial, podendo afirmar que já levou a pedra portuguesa a locais tão distantes como os Emirados Árabes Unidos, Israel, EUA, Coreia do Sul ou China para responder a solicitações de marcas como Rolls Royce, Louis Vuitton, Barney’s ou grupo Lotte, entre muitas outras.
Bichinho da pedra dá força ao negócio
Margarida Sousa entrou no negócio dos mármores e dos calcários, as pedras portuguesas com que habitualmente trabalha, pela mão do pai, o fundador da Dimpomar. Tinha 21 anos e tanto sangue na guelra que rapidamente foi contaminada pelo bichinho da pedra. Reconhece que as memórias e a ligação familiar contaram para se juntar à empresa, mas não foi por isso que abraçou o negócio da família. “Abracei-o porque experimentei… e adorei!”, revela. Hoje é a CEO de uma empresa que fatura cerca de sete milhões de euros, com as exportações a valerem 90%, e responde por 65 trabalhadores.
Romper com a tradição dá prémios
No percurso de quase duas décadas na Dimpomar, Margarida Sousa implementou projetos ambiciosos e adaptou a indústria aos ditames da tecnologia. Uma das suas primeiras apostas foi a criação da Tons de Pedra, marca que reúne uma coleção de rochas naturais de diferentes origens do mundo e permitiu alargar a oferta da empresa. Em simultâneo, investiu no processo fabril e em levar a empresa para o século XXI, sustentada num percurso de qualidade. Como adianta, “instalámos recentemente duas novas centrais de corte a cinco eixos na fábrica principal e prevemos para 2021 mais investimento em maquinaria, e apostámos de forma transversal no digital, incluindo novos websites da empresa, no marketing e na comunicação”.
Regina Vitório, CEO da LSI Stone, também tem o bichinho da pedra, mas preferiu romper com a tradição. Como conta, a LSI surgiu com a “noção clara de que apenas um novo
projeto, diferente do tradicional e do da família, poderia reforçar a capacidade competitiva da indústria e a sua vocação industrial”. Desde a primeira hora, a estratégia assentou em ser uma empresa transformadora, que acrescenta valor à peça, e em manter uma estreita relação com clientes e prescritores. A LSI afirmou-se nos mercados como uma referência na qualidade e no design de pedras, percorrendo um caminho “longo e árduo”, iniciado há 20 anos mas que já se materializou em sete prémios (acaba de ser nomeada para os New London Award 2020) e em mais de 500 projetos.
A força do cluster para ir mais longe
Marta Peres reconhece que uma das grandes batalhas que ganhou para o setor foi o reconhecimento do Cluster da Pedra Natural que evoluiu para Cluster dos Recursos Minerais. A diretora executiva da Associação Cluster Portugal Mineral Resources sublinha que foi a partir desse momento que a indústria das rochas ornamentais “começou a funcionar em rede e começaram a surgir resultados importantes para a sua competitividade”. A ação desta entidade tem-se pautado pelo incentivo ao investimento em investigação, desenvolvimento e inovação, e ao trabalho em rede entre empresas e entre estas e as universidades.
É “um desafio que está ganho”. diz, como comprovam o crescimento das vendas e das exportações das empresas que adotam esta estratégia. Segundo a responsável, o setor investiu, em três anos, 20 milhões e isso traduziu-se num crescimento do negócio, num aumento dos mercados de maior valor acrescentado.
Marta Peres destaca o trabalho que o cluster tem agora pela frente na área da sustentabilidade ambiental, economia circular e promoção das energias renováveis, mas também na promoção e desenvolvimento da cadeia de valor do lítio, na investigação de metodologias de prospeção, na recuperação de pedreiras inundadas, na conceção de novos produtos e processos a partir de resíduos, na digitalização de processos, na criação de produtos inteligentes e com forte componente de design… São batalhas que merecem ser travadas: “O setor dos recursos minerais é crucial para economia e somos, tanto em pedra natural como em minerais metálicos, um dos principais atores europeus.”
In: Dinheiro Vivo