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CHINA REABRE ROTAS DE COMÉRCIO COM PORTUGAL

Mesmo a um ritmo menor do que no passado e com prazos mais distendidos, a maioria dos clientes e fornecedores das empresas portuguesas já voltou ao ativo, começando a regularizar as encomendas e as entregas de matérias-primas durante o mês de abril.

António Larguesa | alarguesa@negocios.pt

Fábricas fechadas, matérias-primas por despachar, compradores desaparecidos, encomendas suspensas e clientes de portas fechadas. Este foi o cenário com que muitas empresas portuguesas se depararam na China logo em janeiro e no início de fevereiro, quando o novo coronavírus estava confinado à região. Volvidos três meses, os exportadores e os importadores confirmam que, embora a um ritmo lento, e a recuperar o tempo perdido e os negócios adiados no pico da pandemia, os caminhos para o gigante asiático reabriram no final de março e durante o mês de abril, iniciando o restabelecimento de parte das cadeias de produção, distribuição e consumo.

A interrupção das encomendas de Super Bock para a China durou quase três meses, mas aquele que é o melhor mercado externo “começa a dar já sinais de dinâmica económica, ainda que a níveis que não podem ser equiparados ao período homólogo do ano transato”. O presidente da cervejeira, Rui Lopes Ferreira, perspetiva ao Negócios que, “mantendo-se o evoluir favorável da situação, é expectável que se verifique uma retoma gradual e progressiva, sustentada no desconfinamento consistente que está a ser feito, embora a diversas velocidades consoante as regiões”.

O confinamento decretado pelas autoridades de Pequim teve um “impacto muito residual” para a Sovena, já que as encomendas de Oliveira da Serra, Andorinha e Fula foram realizadas e servidas antes da habitual concentração para o Ano Novo Chinês. Porém, se em termos logísticos não houve restrições à exportação, as restrições à circulação de pessoas provocaram uma “natural contração do consumo”. Fonte oficial do grupo liderado por Jorge de Melo, que fatura cerca de 1.500 milhões de euros por ano, sublinha que “desde meados de março [tem] a equipa comercial local a funcionar normalmente e tem-se vindo a assistir a um crescimento das vendas acima do ano anterior” neste mercado de exportação emergente.

Na extração e transformação de rochas para fins industriais ou ornamentais, “a grande maioria das empresas chinesas com quem os associados da Assimagra se relacionam já se encontra a laborar, mas longe dos 100%”, corrobora Miguel Goulão, lembrando a “paragem abrupta” logo no primeiro mês do ano. Os valores reportados a março mostram uma quebra de quase 50% nas vendas para a China, a maior compradora de pedra portuguesa. Apesar da reabertura dessa rota, o vice-presidente da associação do setor frisa que a logística ainda não funciona em pleno e atrasa os recebimentos, arriscando que no final do ano as perdas nesse mercado ascendam a 40 milhões de euros.

No primeiro trimestre, a economia chinesa encolheu 6,8%, naquela que foi a primeira contração desde o final da Revolução Cultural em 1976. No que toca às exportações, após o colapso de 17,2% em janeiro e fevereiro, ainda caíram 6,6% em março e em abril já cresceram 3,5% face ao mesmo mês do ano passado. Apesar deste sinal positivo nas vendas ao exterior, o ministro das Finanças, Liu Kun, admite que o país “ainda enfrenta grandes incertezas” e precisa de uma “política orçamental mais proativa” para lidar com os danos da covid-19. O Congresso Nacional Popular, que arranca a 22 de maio, deve aprovar um novo pacote de estímulos, incluindo o corte de impostos para as empresas manterem os empregos ou a autorização para os governos locais contraírem dívida e financiarem projetos de infraestruturas.

Desafio com várias frentes à indústria tradicional

A consultora Market Access, que tem escritório em Pequim, atesta que a reabertura das lojas está a fazer regressar as encomendas às marcas estrangeiras, com algumas a “atingirem já um pico de vendas no ano, no pós-confinamento, porque os chineses estavam ansiosos para fazer compras”. No que respeita às cadeias de abastecimento a partir da China, o fundador, Pedro Vieira, aponta que estão também a regressar à normalidade, mas de forma lenta. Ou seja, “há prazos de entrega longos porque estão a recuperar trabalho e entregas atrasadas e porque ainda há limitações ao nível dos transportes marítimos e aéreos”.

Microcontroladores, condensadores, resistências, memórias. Estes foram os componentes produzidos na China que em fevereiro começaram a faltar para alimentar a fábrica da Exatronic, em Aveiro, quando os chineses não regressaram da paragem festiva. Nuno Gomes, presidente desta empresa de eletrónica, relata que o fornecimento “começou a ser regularizado em finais de março e durante o mês de abril” e que “está quase completamente reposto”. “Agora o problema é que a pandemia chegou à Europa e passou para os Estados Unidos”, desabafa.

Já no calçado, o problema chama-se Itália, que tem um peso superior a 30% nas importações de matérias-primas. A China vale 10% nesse abastecimento e a informação que chega à associação do setor (Apiccaps) é que as empresas “já abriram, estando a trabalhar a uns 60% a 70%”. São mais preocupantes as perspetivas como destino, pois era o mercado que mais crescia e os 25 milhões de euros ali faturados em 2019 estão “naturalmente comprometidos”, segundo o porta-voz, Paulo Gonçalves.

Pelo contrário, para a indústria têxtil e de vestuário é “mais importante como fornecedora de matérias-primas, acessórios e auxiliares do que como destino de exportações”. Com quase 70% das fábricas nacionais em lay-off, a pressão amainou. Ainda assim, a diretora executiva da ATP, Ana Paula Dinis, descreve que se algumas reportam a reposição de “uma certa normalidade”, outras apontam novas dificuldades, como “alguma especulação nos preços ou fornecedores habituais [que] reconverteram a produção para produtos covid que neste momento são muito mais rentáveis”.

AICEP: “Cadeias de abastecimento com China não desapareceram”

A AICEP revela que ainda há constrangimentos nas relações entre Portugal e China, mas as cadeias de abastecimento não foram, durante este período, totalmente interrompidas nem desapareceram. E, por isso, espera-se que comece a haver retoma.

Alexandra Machado

As cadeias de produção e abastecimento entre Portugal e a China foram afetadas mas, garante ao Negócios a AICEP (Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal), “não foram completamente interrompidas nem desapareceram”. Por isso, a agência acredita que “serão retomadas em pleno, a breve trecho, nas suas várias vertentes”, ainda que, numa primeira fase, se possa sentir mais ao nível industrial, podendo demorar mais nos bens de consumo, que, no entanto, “são igualmente importantes para a afirmação de Portugal na China e têm, nos últimos anos, vindo a ganhar terreno nos cabazes de consumo dos cidadãos chineses”.

Ao nível industrial, será o setor automóvel – a China importa muitos componentes – a sentir uma retoma mais lenta. “Com a suspensão, numa primeira fase, das atividades produtivas e de montagem na China, e cujos impasses foram entretanto alastrados para a Europa, será de prever alguns desafios acrescidos nas cadeias de abastecimento neste que é um setor altamente especializado e totalmente globalizado”, realça a agência.

A AICEP destaca, pelo contrário, setores em que a cadeia não foi sequer interrompida, nomeadamente no agroalimentar e na venda à China de carne de porco. “Foi, aliás, o único setor nacional que não viu as suas exportações para este país afetadas, pelo contrário subiram 255%”, lembra a AICEP, salientando que, segundo o INE, nos primeiros três meses do ano as vendas de bens nacionais à China caíram, no conjunto, 27,1%, explicando-se pelo peso que os produtos industriais que são incorporados nas cadeias de produção chinesas têm.

E estas fábricas estiveram suspensas durante uma boa parte dos meses de fevereiro e março. Agora com o regresso à atividade na China, “será de esperar uma tendência semelhante das exportações portuguesas para este mercado”. Ainda assim não deverá sentir-se já, uma vez que, depois, foi a vez de Portugal e boa parte dos países europeus pararem.

Ao nível das importações, a queda trimestral ficou nos 3,4%, admitindo-se que em abril e maio se possa ver alguma retoma pelas compras de equipamentos médicos hospitalares. Mas se a nível comercial as cadeias tendem a refazer-se, a AICEP realça o facto de ainda não se poder viajar para a China, realçando a importância da presença dos empresários portugueses e das suas equipas no mercado chinês para a construção de relações profissionais. Também a suspensão de feiras é um impeditivo para que as relações normalizem, havendo, no entanto, já a informação de que algumas passarão a ser virtuais. É por isso que a AICEP fala em “encontrar novas formas de atuar e otimizar as relações de Portugal com o mercado chinês e seus atores comerciais”.

In: Jornal de Negócios