Assimagra

Recursos Minerais de Portugal

NO RADAR DA INDÚSTRIA TRANSFORMADORA

Política de coesão moderna e flexível

O plano de recuperação têm de ir ao encontro do que são os valores defendidos pela coesão territorial, que é a digitalização, o combate às alterações climáticas, a inclusão social. O que temos de fazer na retoma encaixa no que são os objetivos da coesão territorial.

Filipe S. Fernandes

“ Aretoma da indústria transformadora faz-se reforçando toda a sua cadeia de valor, é um processo de inteligência coletiva e acredito que a banca, mas também o Governo, tem um papel muito importante na capitalização das empresas. É esta que as vai tornar mais fortes nem que isso implique que temporariamente o Estado ou a banca entre para o capital das empresas”, referiu Ana Abrunhosa, ministra na 3.ª webconferência PME no Radar, uma iniciativa do Jornal de Negócios e do Santander. “Passado este período mais difícil as empresas poderiam retomar o capital, mas não podemos perder o know-how, o capital, os empresários e as empresas de grande valor que temos.”

Como explicou Ana Abrunhosa, o terciário é que absorve mais trabalhadores, tem mais empresas e volume de negócios e são os que estão a ser profundamente afetados por esta pandemia. Mas é o setor secundário que representa maior percentagem das exportações. Tem a ver com a sua competitividade nos mercados globais e é o que consegue resistir melhor aos ciclos de recessão da economia, mantém os postos de trabalho mas é aquele que menos emprego gera nas fases de expansão.

Os serviços, como o turismo e a restauração, são os que expandem em fase de retoma, mas que nas fases de recessão se retraem de forma mais desproporcional e que é mais volátil. “O turismo não vai poder absorver os desempregados, por isso temos de aumentar a nossa base industrial porque é a que mantém o emprego sustentável, e é uma tendência dos últimos 40 anos”, sublinhou Ana Abrunhosa.


Nova indústria

“Este reforço da indústria vai ter de significar uma indústria nova. O desenvolvimento desta indústria depende do desenvolvimento de um conjunto de serviços importantes como as áreas tecnológicas, de marketing, certificação, comercial. Tenho muita dificuldade em falar apenas de indústria transformadora, de parte da produção, ou fileiras de produção. Prefiro o conceito de cadeias de valor. É importante ter produção nacional, mas para ser competitiva temos de juntar um conjunto de setores de serviços”, referiu a ministra da Coesão Territorial.

O reforço da indústria passa e tem o contributo de polos de conhecimento que são muito importantes para o desenvolvimento tecnológico da indústria transformadora, pois a produção tem de incorporar cada vez mais conhecimento e mais tecnologia. Esta nova indústria deve assegurar a nossa autossuficiência em produtos e equipamentos essenciais, que esta crise tornou demasiado evidente, mas também responder à mudança consolidada nos hábitos de consumo, em que há cada vez maiores preocupações dos consumidores em relação às questões ambientais, sociais subjacentes aos bens de consumo.

A ex-presidente da Comissão da Coordenação da Região Centro fez ainda referência ao facto de o aumento da produção nacional e das exportações estar muito dependente das importações. “Temos de analisar os estrangulamentos, ou seja, as dependências que temos nas nossas cadeias de valor e que poderão ser supridas pela indústria nacional porque temos know-how, competências e base industrial em todos os setores. Completar as nossas cadeias de valor só se faz quando os diferentes setores se articulam e tornamo-nos menos dependentes e as nossas empresas apropriam-se, através disto, de uma parte cada vez maior do valor final do produto no mercado.”


Políticas de coesão

A ministra da Coesão Territorial considerou que Portugal e a Europa precisam de um plano de recuperação forte, conjunto, “que não demore muito tempo a implementar e que use os instrumentos jurídicos que a Comissão Europeia já tem, e o melhor instrumento jurídico que a Comissão Europeia tem são os Quadros Comunitários”. Na sua opinião, “as respostas à crise e à pandemia têm de ir ao encontro do que são os valores defendidos pela coesão territorial, que é a digitalização, o combate às alterações climáticas, a inclusão social. O que temos de fazer na retoma encaixa no que são os objetivos da coesão territorial”.

Faz sentido a política de coesão ser reforçada neste momento porque permite a utilização flexível dos apoios. “Os países, as regiões, os setores económicos, são diferentes entre si por isso a política de coesão territorial não pode ser igual para todos, vão ser necessárias medidas específicas.

Esta flexibilidade deve ser à medida dos problemas porque podemos ter medidas de banda larga mas depois temos de ter medidas adequadas aos problemas”, disse Ana Abrunhosa. Defende que a política de coesão não está ultrapassada, revelou-se uma política moderna, que tem flexibilidade para se adaptar na resolução destes problemas como a derrogação do cumprimento do pacto de estabilidade e crescimento mas também na flexibilidade que permitiu no uso dos fundos da coesão.

“É no combate à pandemia e na ajuda à retoma que a política de coesão faz mais sentido, é a que está mais preparada para fazer retoma, que já usa instrumentos financeiros, é uma política moderna, inovadora, que está adaptada para fazer a retoma de acordo com o caminho e os valores que se impõem num mundo de hoje”, concluiu Ana Abrunhosa.

As PME vão ser chave na adaptação a esta nova realidade

“Vamos ter de ser arrojados, muito determinados e capazes de ler as oportunidades que vão surgir no mercado. As empresas portuguesas já deram provas de que temos o engenho e a determinação para superar e vencer mais este importante desafio”, diz Miguel Belo de Carvalho.

“O Santander colocou todos os recursos do banco, tecnologia, digital, risco, operações e a área comercial, no atendimento a esta situação de emergência que é claramente um momento para apoiarmos a economia portuguesa e em particular a indústria”, referiu Miguel Belo de Carvalho, durante a 3.ª webconferência PME no Radar, dedicada à indústria transformadora, numa iniciativa do Jornal de Negócios e do Santander.

Esta instituição financeira teve como principiais objetivos, desde que a crise da covid-19 foi declarada e levou ao confinamento da população, “garantir não só a segurança dos seus colaboradores, mas sobretudo o apoio a todos os clientes, à economia e à sociedade em geral através da disponibilização de um conjunto de iniciativas e de medidas com grande impacto nas famílias e nas empresas portuguesas”.

Em termos de empresas, o grande foco foi apoiar a gestão de tesouraria das empresas e fazer chegar o mais depressa possível as ajudas através das linhas de apoio à economia covid-19. Como explica Miguel Belo de Carvalho, “adotámos medidas que agregadamente permitem às empresas respirar financeiramente nos próximos meses, através da renovação automática de linhas de crédito de curto prazo, das moratórias, incluindo a moratória do Estado que vai vigorar até 30 de setembro de 2020”. Cerca de 40% da carteira de crédito do Santander a PME está nesta altura em moratória de capital. O banco promoveu também o acesso às linhas protocoladas, tanto as linhas gerais, como as setoriais, como a capitalizar e a iniciativa à inovação.


Economia diferente

Em relação ao impacto destas linhas, dos 150 mil clientes empresas, metade tem crédito e desses 15 mil pediram ajuda através das linhas covid-19. Para além disso, já têm 3 mil operações formalizadas num montante próximo dos 500 milhões de euros. “O que é um número bastante importante nesta fase da crise que estamos a passar”, garante Miguel Belo de Carvalho.

Para o administrador do Santander, a economia portuguesa está muito diferente do que era há dez anos. “Está mais estruturada tanto em termos económicos como financeiros, tecnológicos e capacidade de gestão.” Entende que esta crise vai ser um desafio de gestão para todas as empresas. No entanto, considera que haverá oportunidades não só ao nível da integração em cadeias de valor, das cadeias de distribuição e de logística, mas também de consolidação setorial, que surge sempre em momentos de grande disrupção.

Miguel Belo de Carvalho sublinhou ainda que a economia digital, que é transversal a todos os setores, vai ganhar muita força e um desenvolvimento muito forte. “O que iria acontecer nos próximos dois ou três anos vai ser antecipado com uma curva muito mais acelerada do que em condições normais”. Na sua opinião, os impactos não atingem apenas a alteração radical do comportamento dos consumidores, vão atingir os próprios agentes económicos. “Todas as cadeias de valor vão passar a incorporar este tipo de economia digital que vai acelerar seguramente desde os serviços, ao comércio, à indústria. Haverá mais soluções com mais eficiência em tudo o que sejam transações de bens e serviços.”

Para Miguel Belo de Carvalho as PME vão ser chave em todo este processo na adaptação a esta nova realidade, como aconteceu na última crise. Na sua opinião capacidades de empreendedorismo e tecnológicas não faltam aos nossos empresários como não falta ao país. “Mas vamos ter de ser arrojados, muito determinados e capazes de ler as oportunidades que vão surgir no mercado. As empresas portuguesas já deram provas, de que temos o engenho e a determinação para superar e vencer mais este importante desafio.”

Na digitalização das PME há um longo trabalho a fazer

As empresas mais pequenas podem aproveitar a transformação digital como um dos principais instrumentos para a sua revitalização e integração em cadeias de valor.

“Esta crise que estamos a viver foi uma crise inesperada no contexto, mas também vai representar para as empresas, particularmente para as PME e as start-ups, um desafio muito grande”, referiu Jaime Quesado, economista e gestor. Citou um especialista da McKinsey que disse que nunca se esperou que, em dois meses, se tivesse uma evolução tão grande do ponto de vista do digital e da utilização das tecnologias, que, em princípio, iria demorar dez anos.

Salientou que existe uma cumplicidade cada vez maior entre as empresas e os centros de inovação no que é a procura de novas soluções contra esta crise. “Como o CEIIA que conseguiu, em tempo útil, numa parceria inteligente com a universidade, empresas de referência e apoios públicos criar ventiladores que já estão em produção”, sublinhou. Este gestor acrescentou que tem acompanhado há 20 anos as principais transformações da sociedade da informação, das tecnologias, não só do Estado mas a componente empresarial. “O balanço destes 20 anos de aposta pública maciça nas tecnologias de informação e na transformação digital é muito positiva ao nível do Estado”, considerou Jaime Quesado.


Dois mundos

Na sua visão, a componente das empresas tem dois mundos. As grandes empresas e as multinacionais, as empresas líderes dos diferentes clusters que já têm processos de transformação digital estabelecidos e consolidados e hoje são exemplo em termos de boas práticas e do que conseguem implementar em termos de cadeias de valor. Ao nível das pequenas e médias empresas há um longo trabalho a fazer. “É um sinal que existe para o futuro que é o das empresas mais pequenas poderem aproveitar a transformação digital como um dos principais instrumentos para a sua revitalização e integração em cadeias de valor” disse Jaime Quesado.

O desafio que os empresários e os gestores vão ter no futuro é sobre o equilíbrio entre o trabalho presencial e o mediado por tecnologia. O teletrabalho trouxe uma revolução porque, a partir do momento que se perceber que “a presença física do trabalhador poderá ser complementada com uma presença digital vai ter claramente um fator adicional naquilo que é a utilização do digital, do ponto de vista da cadeia de valor”, concluiu Jaime Quesado.


Um quiosque para os novos tempos

O Hygistations e o Smart Lamp Post são dois produtos para responder à necessidades de fortes medidas de higienização, de segurança e de prevenção.

O Hygistations foi lançado em fins de abril de 2020, em pleno estado de emergência, e surgiu para dar resposta a necessidades emergentes desta crise sanitária, que obrigam ao controlo e prevenção sanitárias. É um produto da Wingsys, que é uma marca que faz parte da empresa Famasete – Technology Group, que surgiu em 1995, para a gama de produtos e experiências interativas desenvolvidas, desde o hardware até ao software e em diversos setores, como mupis e ecrãs interativos, mesas tecnológicas, quiosques digitais, soluções de gestão de filas de espera. “Estamos em várias áreas e temos produtos que se adaptam a diferentes necessidades dos clientes”, referiu Inês Barbosa, Chief Communications Officer (CCO) da Wingsys.

“O Hygistations é um quiosque muito prático, que integra um controlo de acesso com uma solução de reconhecimento facial, com uma câmara ocular de última tecnologia que permite adaptar a leitura a pessoas de diferentes alturas e idades, a medição da temperatura corporal sem toque. Todos os componentes deste produto são contactless”, refere Inês Barbosa.

Este produto permite a validação da utilização da máscara, isto é, se o utilizador não estiver a utilizar uma máscara recebe um aviso que é comunicado por quem tem acesso e gestão do quiosque. Conta com um display profissional, que vai passando informação em formato de sinalética digital, e um dispensador automático de desinfetante, que também funciona por sensores.

A este quiosque podem ser acoplados outros componentes como, por exemplo, sistema de gestão de senha seguro, que foi desenvolvido com um parceiro. Já está a ser comercializado a nível nacional e internacional com encomendas a serem ultimadas sobretudo para empresas. “Acredito que será amplamente utilizado em espaços públicos, como restaurantes, salas de espetáculos, cafés, estações ferroviárias, praias, correios, estádios, hospitais”, considera Inês Barbosa.


Ideias por Whatsapp

Com um grupo de empresas, desenvolveram um Smart Lamp Post, que é um poste iluminação

inteligente que é colocado numa cidade e que permite que sejam acopladas outras funções desde ecrãs, carregamento de viaturas elétricas e o próprio Hygistations. “Este novo estado normal da sociedade de que se fala vai passar por fortes medidas de higienização, de segurança e de prevenção e é neste contexto que estes dois produtos encaixam. Estamos numa maratona e a correr contra o tempo”, prevê Inês Barbosa.

“Somos uma empresa reconhecida pela Agência Nacional de Inovação, temos uma equipa só focada em investigação e desenvolvimento.” O desenvolvimento deste produto surgiu a partir de uma conversa por Whatsapp da equipa de inovação e desenvolvimento. “Rapidamente se percebeu que poderia ser um produto muito interessante para aplicar nas empresas”, diz Inês Barbosa. A empresa colocou toda a sua capacidade e experiência no desenvolvimento deste produto, fez-se o protótipo e foi colocado à venda num espaço muito curto de tempo.

Este produto foi totalmente desenvolvido com todo o know-how e recursos internos da empresa e sem apoios externos. “Submetemos candidaturas às linhas de apoio à economia no âmbito da covid-19 e ainda não tivemos qualquer feedback e os apoios ainda não chegaram. Mesmo assim não deixamos de implementar os nossos planos, de uma forma faseada e progressiva e desenvolvemos novos produtos”, garante Inês Barbosa.

Este ano, a Famasete celebra 25 anos de atividade com uma mudança de instalações no próximo mês de junho que tem o triplo das atuais e vai criar novos postos de trabalho. “A economia não vai aguentar muito mais esta paragem prolongada sem o apoio efetivo do Governo. São já dois meses em que as empresas tiveram de se confrontar com o conjunto de compromissos financeiros com a banca, fornecedores, segurança social, e em que as receitas foram fortemente reduzidas e mesmo nulas em muitos casos e, portanto, empresas viáveis e com boas perspetivas de negócio e em expansão viram os seus negócios ficarem fora de controlo”, concluiu Inês Barbosa.

A indústria europeia é uma prioridade no plano de recuperação

Os deputados portugueses defendem que este plano de recuperação económica seja essencialmente baseado em subsídios a fundo perdido, mas a solução final vai ser um misto entre as duas modalidades, subsídios e empréstimos.

“A crise da covid-19 tem um grande impacto na produção industrial e nas cadeias de valor e agora teremos de nos preparar para a recuperação. Existem algumas oportunidades para Portugal”, afirma Maria da Graça Carvalho, deputada no Parlamento Europeu e presidente do Intergrupo-Investimentos Sustentáveis de Longo Prazo e Indústria Europeia Competitiva e que deverá vir a presidir ao Instituto Sá Carneiro.

Nas prioridades da Comissão Europeia para a recuperação económica está a indústria europeia, que durante muitos anos não esteve na agenda política europeia. “Esta Comissão Europeia e este Parlamento Europeu voltaram a colocar a estratégia industrial na agenda política, o que é muito importante e já tardava. Por isso, a Comissão Europeia fez, a 10 e 11 de março, pouco antes de a covid-19 ter levado ao confinamento de quase toda a Europa, uma série de documentos com uma estratégia europeia para a indústria, para os dados, que é também essencialmente virada para a indústria, uma estratégia para as PME”, referiu Maria da Graça Carvalho.

Estes documentos terão de ser adaptados pelo plano de recuperação económica, pelo orçamento europeu e pelos programas europeus. “Portugal deverá estar muito atento em relação a todas as oportunidades que podem estar nestes documentos de ação”, sublinhou. As grandes prioridades iniciais são a liquidez das empresas e o emprego, aliado a um novo programa que nunca existiu no orçamento europeu e que é um grande programa na área da saúde. Segundo Maria da Graça Carvalho, existiam pequenos programas, muito relacionados com os problemas transfronteiriços, as doenças raras, mas nunca um programa de saúde e de financiamento aos sistemas de saúde e que agora está a ser proposto e preparado.


2% do PIB europeu

O Parlamento Europeu está a pedir um orçamento superior ao que estava a discutir antes da crise. “Esperamos que o orçamento seja de uma grandeza de 1,2% do PIB europeu e alavancado a esse orçamento haja um plano de recuperação económica que possa acrescentar cerca de 0,8% do PIB europeu, ou seja, 2% do PIB europeu”, referiu Maria da Graça Carvalho.

Os deputados portugueses defendem que este plano de recuperação económica seja essencialmente baseado em subsídios a fundo perdido. “Já sabemos que não há consenso porque há países que são a favor dos empréstimos. O que eu prevejo é que vá ser um misto entre as duas modalidades, subsídios e empréstimos. O importante é que nos dois primeiros anos seja essencialmente baseado em subsídios e que os empréstimos sejam mais para o fim do período e orçamento”, admite Maria da Graça Carvalho.

Outras prioridades, que já estavam nas linhas de ação da Comissão Europeia e do Parlamento Europeu, são a transformação digital, a estratégia verde e ambiental, a que se adicionou nova prioridade que é tornar a economia europeia e a indústria europeia mais resilientes e portanto ter uma maior independência estratégica das cadeias de valor europeias.

Para Maria da Graça de Carvalho, “é preciso ter algum cuidado para que este conceito não se transforme numa certa forma de protecionismo. Estou de acordo com as questões estratégicas e com uma menor dependência estratégica, e esta crise demonstrou que isso é necessário, mas temos tudo a ganhar por ter uma política aberta ao mundo, que nos permite exportar e exportar cada vez mais”.

Uma das suas esperanças é que o sucesso do Horizon 2020, programa de ciência e inovação europeu, que agora é o Horizon Europe, seja aumentado ou pelo menos mantido. “Há um consenso, que esta crise demonstrou, que a independência estratégica está no poder na área do conhecimento, na educação, na ciência e na inovação. Se formos fortes nestas áreas, conseguimos ser mais independentes e mais rapidamente se produz o que necessitamos para fazer face às grandes adversidades como foi o caso da covid-19”, concluiu Maria Graça de Carvalho.


Saúde pública será mais europeia

“Este contexto vai conduzir a uma maior integração europeia”, considera Maria da Graça Carvalho. Como exemplo prático apontou a necessidade de considerar a saúde de uma forma muito mais integrada. Os Estados-membros opunham-se, até agora, frontalmente contra qualquer “ingerência”, como ^ diziam, da Comissão Europeia ou do Parlamento Europeu nas questões da saúde pública. Esta crise veio mostrar que, sem trabalhar em conjunto a nível europeu e até global, não se consegue fazer face a problemas de saúde pública como este.

“Estas pandemias irão ser cada vez mais uma realidade dos nossos tempos e portanto temos de juntar esforços para fazer face a estes desafios globais”, avisou Maria da Graça Carvalho. Salientou que a maior parte dos problemas atuais em áreas como a saúde, o ambiente, a economia, implicam soluções europeias e globais, mesmo que depois a sua aplicação concreta seja local e regional. Deu o exemplo do desenvolvimento científico, que é feito em parcerias, pois são necessários dados para desenvolver uma terapia ou uma vacina, e só com a colaboração de muitos se consegue ter acesso aos dados que são „ necessários. “Uma economia baseada no big data leva a que seja cada vez mais evidente que precisamos de maior cooperação a nível internacional e a nível europeu”, enunciou.

A eurodeputada Maria da Graça Carvalho é pragmática, e não antevê grandes novidades, em termos da construção europeia, nas formas de cooperação. Admite que vão ser pequenos passos de cooperação em determinadas áreas específicas, na saúde, na indústria, que era tida como uma área nacional e agora vemos que precisamos de colaborar mais a nível europeu. Passo a passo, de uma forma pragmática e concreta que esta crise vai levar a uma maior integração europeia”, concluiu a professora catedrática no Departamento de Engenharia Mecânica do IST da Universidade de Lisboa.


Mais do que reindustrialização, é preciso renascimento industrial

Este renascimento industrial significa uma convergência entre diferentes setores e áreas do conhecimento, além disso, é fundamental a fabricação, pois não podemos fazer o outsourcing como fizemos até agora na fábrica do mundo.

Há elementos-chave nesta história que explicam a capacidade de resposta que assistimos nesta crise. As PME inovadoras não são uma ideia nova nem se tornaram inovadoras ontem, é um caminho longo de transformação e resiliência pela passagem por sucessivas crises nas últimas duas décadas, em particular na última década”, afirmou Jorge Portugal, diretor-geral da Cotec Portugal.

Salientou que na crise global de 2008, a que se seguiu uma crise de dívida soberana, e depois um programa de assistência, as PME fizeram o seu caminho. “Em 2010 foi a abertura da economia portuguesa ao mundo com maior integração na economia mundial passando o peso das exportações no PIB de 29 para 45% e todos os setores contribuíram para este resultado.”

A indústria mostrou uma grande resiliência a este choque de procura, teve de resolver os problemas de segurança dos trabalhadores como outros setores, até porque grande parte não poderia ir para teletrabalho, não podiam dissociar-se das máquinas. Por isso teve de haver uma enorme capacidade de manter as equipas a funcionar mas protegidas, por outro lado as regras de distanciamento não funcionam muito bem com os lay-outs industriais, que teve de ser modificada.

Questão de sourcing

Os dados do Banco de Portugal e do INE mostram, do ponto de vista da adaptação do lay-off, que apenas metade das empresas pediu ou vai pedir apoio, moratórias ou lay-off. Estas empresas vão necessitar de confiança para um desconfinamento o mais rápido possível e o mais eficaz e que deverá ser concertado com os outros mercados, para os outros países, para estabelecer a estabilidade da cadeia de abastecimento, que foi perturbada. Segundo Jorge Portugal, “há lições a tirar desta crise, sobretudo a excessiva dependência do que se chamava a fábrica do mundo. O abastecimento, o sourcing, terá de ser mais diversificado para reduzir o risco um pouco à custa da eficiência e dos custos. Terá de haver uma redefinição da cadeia de abastecimento”.

Salientou que indústria é um núcleo de resiliência muito importante para a economia. Com base em números agregados ao nível da Europa, um em cada cinco empregos é industrial mas 80% das exportações são bens e serviços industriais, 64% do I&E e metade das atividades de inovação são na indústria, e um posto de trabalho criado na indústria corresponde de meio a dois postos de trabalho criados nos outros setores. “Os multiplicadores da indústria são incontornáveis”, enfatizou Jorge Portugal.


Economia bio e circular

Os decisores políticos europeus e nacionais já manifestaram a intenção de reforçar a indústria. Esta crise teve um mérito que foi a Europa perceber que tem de se reindustrializar, um conceito que já foi lançado por várias comissões europeias anteriores, mas que tem vindo a oscilar. Contudo, pela primeira vez, a Comissão Europeia considera a indústria uma prioridade, referiu Jorge Portugal.

“Mas mais do que uma reindustrialização aos modos antigos vamos precisar de um renascimento industrial, e neste aspeto os empresários portugueses sabem muito bem o que isso significa porque já começaram. A bioeconomia, a economia circular e a digitalização são elementos essenciais nesse renascimento”, explicou Jorge Portugal. Neste momento as aplicações de bioeconomia e de economia circular já valem mais de 10% do VAB, e mais de 10% do emprego e são transversais a quase todos os setores. A Cotec fez recentemente um estudo “Bioeconomia circular digital, o potencial para Portugal”, que mostra que estas atividades têm particular impacto em indústrias transformadores como o têxtil, o calçado, na construção.

Na ótica de Jorge Portugal, “este renascimento industrial significa uma convergência entre diferentes setores e áreas do conhecimento. Além disso, é fundamental a fabricação, pois não podemos fazer o outsourcing como fizemos até agora na fábrica do mundo, a China. Temos de repatriar alguma da nossa produção, em setores estratégicos, mas, acima de tudo é preciso ter a fábrica para criar valor a montante, com o design de produtos com melhor performance ambiental, com uma menor exigência nos recursos naturais, com um sistema de sourcing em matérias- primas renováveis, as bio produzidas através de sistemas renováveis e depois a jusante, a capacidade de distribuição.


A pedra como um setor da bioeconomia

Jorge Portugal referiu como exemplo o setor da pedra, que “muitos considerariam antigo, pouco moderno, ambientalmente impactante, e que, há quinze anos, tem feito uma trajetória notável pela inovação e pelo desenvolvimento tecnológico em todas as áreas. O setor de transformação de pedras ornamentais tem um alto valor acrescentado porque tudo se faz em Portugal, é um setor da bioeconomia porque extrai um produto natural de grande durabilidade e circular”.

O setor reinventou-se, e as máquinas, que permitiram aumentar a competitividade do calçado, foram aplicadas ao setor da pedra, criando uma indústria moderna, muito especializada que compete com os seus concorrentes como os italianos e que se tomou global. Salientou ainda que em 2016 o programa Compete não tinha o conceito de indústria 4.0 nem de economia circular. “Foi necessária uma enorme agilidade da administração pública e das políticas públicas de adaptar e incluir dentro do que eram os conteúdos, as linhas, os avisos, estes novos conceitos e as empresas responderam”, explicou Jorge Portugal.

O investimento feito em 2017 e 2018 foi de 3,2 mil milhões de euros em inovação dirigido à indústria 4.0, à digitalização e à economia circular. “Estes investimentos foram chave para projetar a competitividade das empresas e criar uma linha da frente de exportadores e de empresas que estão integradas na economia mundial”, concluiu Jorge Portugal.

“A indústria não vai ter capacidade para retomar todo o emprego”

“É impossível pensar que os níveis de produção que tínhamos anteriormente à pandemia vão continuar a existir, isso vai levar tempo. É preciso ter capacidade para resistir”, diz Miguel Goulão da Assimagra.

“A indústria transformadora de recursos minerais exporta grande parte da sua produção, 45% para fora da Europa e o restante na Europa, por isso os impactos da crise sanitária foram diferenciados. Nos casos das empresas que exportam para a China o impacto começou logo em janeiro”, disse Miguel Goulão, vice-presidente da Assimagra-Associação Portuguesa dos Industriais de Mármores, Granitos e Ramos Afins.

A China, que é o segundo mercado de exportações para o setor, foi a primeira a sentir os efeitos da pandemia e as empresas exportadoras deste setor devem ter sido as primeiras em Portugal a ser afetadas pela covid-19. Os clientes chineses cessaram a atividade, os processos logísticos com aquele mercado deixaram de existir e “as empresas sentiram dificuldades em escoar os seus produtos mesmo no caso dos clientes chineses que mantinham a atividade, mas não havia logística disponível para fazer chegar os produtos”, recorda Miguel Goulão. Depois em março veio o efeito da covid-19 nas empresas que trabalhavam com a Europa, e que teve impacto em termos de colocação da produção.

Neste setor quase todas as empresas estão a laborar. “Há empresas que recorreram a lay-offs parciais, mas em número reduzido”, segundo Miguel Goulão. Explica que nesta indústria se planeia com um horizonte de médio e longo prazo. “Não somos um setor que produz para amanhã, normalmente trabalhamos em projetos que demoram algum tempo e têm uma maturidade de decisão. Por isso o maior impacto desta pandemia será em 2021”. Por exemplo, projetos em carteira para a área do turismo como hotéis e resorts que “estavam pensados e desenvolvidos, vão ser repensados, e provavelmente uns serão adiados e outros nem sequer vão ser feitos”.


Perdas de 400 milhões

A sua avaliação aponta para perdas de 400 milhões de euros em 2020 para indústria transformadora de recursos minerais com o impacto da crise sanitária global.

Segundo Miguel Goulão, há um grande esforço do Governo para, permanentemente, moldar as medidas e as decisões às necessidades e ao pulsar da economia. “Ao longo do tempo as medidas têm vindo a ser alteradas, algumas delas mesmo muito alteradas, o que denota que há um esforço para as adaptar à realidade económica.” Para o vice-presidente executivo da Assimagra, “as medidas são manifestamente insuficientes e as coisas não vão ser iguais ao que eram. As empresas não vão ter produção para poder continuar a empregar as pessoas que empregavam, ficarão com metade e é preciso começar nas soluções e opções a tomar, se as pessoas vão para o desemprego, se ficam em lay-off, como é que isto vai funcionar”.

“A indústria não vai ter essa capacidade de retomar todo o emprego”, assegura Miguel Goulão. “É impossível pensar que os níveis de produção que tínhamos anteriormente à pandemia vão continuar a existir, isso vai levar o tempo. É preciso ter capacidade para resistir”. Preocupa-o o elevado endividamento do Estado, das famílias, das empresas, “mas as soluções que estão a ser encontradas, com exceção do lay-off, são todas de aumento do endividamento”. Por isso considera que são necessários novos modelos de financiamento.

“Não podemos ter as empresas tão dependentes do financiamento bancário. É preciso criar linhas diferenciadas, como por exemplo o acesso de PME a um mercado de capitais diferenciado. É óbvio que tem de haver uma evolução na literacia financeira das empresas e uma aposta mais profissional ao nível de quem acompanha as empresas, tem de haver o espírito por parte dos empresários em abrir o seu capital das empresas a terceiros, mas esta reflexão tem de existir”, afirma Miguel Goulão.

In: Jornal de Negócios