“Estão a ver? Daqui vê-se perfeitamente a palavra “Olá”.” Da janela do Piso 1 do Museu dos Coches, Guta Moura Guedes aponta para o exterior, para a obra de Fernanda Fragateiro lá em baixo na praça, um trabalho da artista portuguesa inspirado nas formas geométricas do abecedário criado por Josef Albers que, de perto, parece apenas um conjunto de pedras sem significado, mas visto de cima ganha todo um novo sentido. Olá (After Josef Albers) é uma das obras – todas elas em pedra portuguesa – que constituem a exposição Primeira Pedra 2016/2022, que inaugura amanhã no Museu dos Coches em Lisboa.
“O Museu dos Coches tem sido ao longo dos anos um parceiro da experimentadesign. Eles dão imenso apoio ao nosso trabalho, porque não temos um espaço próprio”, conta a curadora da exposição sobre esta parceria antiga. Quanto a esta mostra, em particular, “o contraste enorme que existe entre o estilo e o objeto que é um coche histórico do século XVII, XVIII e estas peças muito contemporâneas em pedra é irresistível. Portanto aqui o diálogo tornou-se irresistível”, vai dizendo enquanto sobe as escadas para a segunda parte da exposição, no interior do museu.
Logo à entrada, e ainda ausente, irá estar a primeira peça, a Cadeira de Philippe Starck, frente ao coche que o rei Luís XIV de França ofereceu para o casamento de Dona Maria Francisca de Saboia. Segue-se, junto ao coche de Filipe II – o mais antigo do museu -, o sexteto de peças do design gráfico Stefan Sagmeister e de Jessica Walsh. “São peças muito especiais que foram mostradas pela primeira vez na trienal de Milão. É pedra incrustada em feltro”, vai explicando Guta Moura Guedes, apontando para os painéis em que se vê um arranha-céus, uma sonda espacial, óculos de sol, espelhos, etc. – “tudo superfícies que refletem”.
Espalhadas pelas salas sucedem-se as obras de artistas de várias áreas – a Conversadeira, do arquiteto Souto de Moura, Chair for Human Use (II), de Marina Abramovic, Amores de R2 Design ou This dance ain”t for everybody Only the sexy people, de Frith Kerr. Esta última, um dance floor, convida mesmo o visitante a ouvir a banda sonora de Kerr no Spotify e dançar.
Escondida atrás de um pano preto, por ainda não estar terminada, está Petra, de Vhils. Mas Guta Moura Guedes levanta a ponta do tecido permitindo-nos uma espreitadela ao primeiro diorama que o artista faz em pedra.
Pedras para tocar – no interior e no exterior
Se no interior do museu o diálogo se faz entre as obras – quase todas elas convidam o visitante a tocar-lhes ou usá-las – e os coches, no exterior o desenho da exposição foi feito de forma a aproveitar a iluminação do edifício. Uma vez que a praça é visitável durante a noite, as obras também o serão. “Há aqui uma espécie de narrativa que vai ficar muito clara na noite da inauguração”, explica Guta Moura Guedes enquanto se dirige para uma das obras.
Em xisto, a Pedra do Tempo, da arquiteta brasileira Carla Joaçaba, vai dar o sinal de partida para a exposição. “Às 22.00 horas, a própria Carla vai tirar a peça que estará a reter a areia que vai cobrir toda a parte de cima da obra”, explica a curadora. Representando a passagem do tempo, a obra, feita especialmente para a exposição, é no fundo “uma grande ampulheta”, onde a areia só passa uma vez.
Esta exposição em Lisboa encerra seis anos de trabalho que gerou mais de 74 obras originais em pedra portuguesa desenhadas por 36 autores, de 15 países e feitas pela indústria e artesãos nacionais. Concebida pela experimentadesign a convite da Assimagra, a Primeira Pedra convidou alguns dos nomes nacionais e internacionais mais significativos das áreas do design, arquitetura e artes visuais para trabalharem “as características fisico-mecânicas e estéticas absolutamente únicas dos vários tipos de pedra que compõem a paisagem geológica de Portugal”, como se lê no catálogo. Para a inauguração estarão em Lisboa dois terços dos artistas, com o dia a começar com a Conferência Primeira Pedra, no Teatro Tivoli BBVA.
Sob um sol forte, a visita prossegue com Gather, de Vladimir Djurovic. O arquiteto paisagista montenegrino-libanês escolheu uma pedra enorme desperdiçada numa pedreira portuguesa e decidiu aproveitar todos os pedaços. Dois bancos pequenos, um maior, peças de apoio e um muro de pedra seca foi o resultado desta homenagem à sustentabilidade.
Com os trabalhadores a instalarem as obras que faltam, seguimos pelo meio das obras – Banco de Jardim, de Álvaro Siza, espécie de espreguiçadeira ajustável composta por duas peças, Azul Cadoiço, de Julião Sarmento, uma citação do artista ao cinzeiro icónico de Bruno Munari e aos cubos minimais de Donald Judd, ou Deconstructing the Cube, de Amanda Levete, que cria uma ilusão de ótica dependendo do ângulo em que estamos.
Dice, o cubo gigante de Carsten Höller, em que os pontos são substituídos por aberturas, está a levar os últimos retoques, depois de ter estado exposta em Veneza. Mas a grande ausente é BRAINLESS FIGURE IN STONE, o autorretrato de Ai Weiwei feito especialmente para esta exposição e que ainda chegara. “É uma escultura que combina um processo mecânico com um processo manual. Vai ficar aqui mais abrigada”, explica Guta Moura Guedes, antes de acrescentar: “É uma escultura dele com a cabeça a rebentar, uma coisa muito poderosa.” Fica a curiosidade…
Tal como Guta Moura Guedes deixa no mistério o destino destas peças após o fim da exposição, a 25 de setembro. “Essa vai ser uma grande novidade a seguir…”
Fotografia de Rita Chantre